Foi com alívio que constatei que meu refúgio, aos fundos da Universidade, próximo a orla da floresta protegida pela lei em seus domínios, estava completamente deserto naquela noite. Após semanas sendo ocupado por festas e drogados, que se esparramavam pelos cantos, meu espaço sagrado estava livre novamente. Aquele local era realmente um paraíso em meio ao inferno daquela faculdade. Um achado, onde eu costumava contar estrelas para fugir da realidade.
Sentei-me sobre uma das pedras que se erguiam diante das árvores, com os joelhos elevados. Olhei para cima e comecei a contar os astros. Passei um bom tempo ali. Duzentas ou trezentas, eu já havia perdido a conta. Meus pensamentos estavam a mil. Pousei minha cabeça entre as pernas e fechei os olhos. A semana estava consideravelmente difícil até aquele ponto e, quando havia percebido, já desabara completamente em lágrimas. Saquei o celular e, decidido a acalmar a mente, abri o Wattpad em busca de uma leitura que me distraísse. Quando finalmente decidi por um conto de fantasia, as lágrimas já haviam cessado e minha mente mergulhara completamente naquele mundo.
Já estava ali há algum tempo quando tive a impressão de uma voz feminina, calma e serena, chamar pelo meu nome. Foi só quando o escutei sendo repetido pela segunda vez que de fato acreditei nos meus ouvidos e, desconfiado, ergui a cabeça para procurar quem me chamava. Não havia ninguém. Por mais que eu apurasse os olhos, não enxergava nada, e ainda assim, minha audição captava um terceiro chamado. As palavras vinham da floresta e, embora deveras suspeitoso, adentrei a mata úmida.
A floresta era escura. Embora não pudesse ver nada além de galhos e raízes, podia distinguir claramente os sons de pequenos animais no escuro. A voz continuava a chamar pelo meu nome e eu seguia em frente, sem olhar pra trás. Após um tempo, desconfiei ouvir o som de água corrente - impossível, não existia um rio dentro da universidade - e ele se tornava cada vez mais alto. Minhas vestes pesavam e eu comecei a me perguntar por que carregava tantos equipamentos - equipamentos?
O céu era visível durante todo o trajeto, mas para meu infortúnio, não havia lua para me guiar, o que me fizera tropeçar em toda sorte de coisas uma porção de vezes. A voz, suave como o vento, aquecia-me por dentro, e parecia vir de algo muito antigo e que, de certa forma, eu já conhecia. Após alguns minutos, alcancei uma clareira, cortada por um riacho escuro - como aquilo era possível? No meio do riacho, em uma ilhota, uma árvore imensa, de galhos frondosos, parecia tocar o céu, e emanava um brilho verde vívido. Atraído pela voz, que parecia reverberar com o movimento dos galhos à brisa noturna, me aproximei, incrédulo.
Atravessei o regato utilizando as grossas raízes da árvore ancestral e alcancei seu vistoso tronco. As folhas emanavam uma luz verde misteriosa e o lugar tinha um cheiro desconhecido - mas que era estranhamente familiar.
- Então você finalmente decidiu atender ao meu chamado. - Me assustei com a clareza da voz que vinha da árvore, num tom misto de malícia e ironia.
Após me recuperar, procurei a origem da voz, e não pude encontrar. Sulcos profundos no tronco da árvore pareciam formar um rosto antigo - aquilo era loucura.
- Você não está ficando maluco. - Estremeci com a possibilidade de alguém adivinhar o que eu estava pensando - De fato, sou eu mesma que estou falando.
- Você? A árvore? - Perguntei descrente.
- Você demorou. Temi que talvez você chegasse tarde demais, mas eu sabia que você viria. Afinal, eu só podia esperar.
- Do que você está falando? Como isso é possível? O que diabos é você?
- Eu sou Aldaband, a árvore do mundo. Meus galhos ostentam as ramificações futuras da história e minhas raízes crescem com os registros do passado. Eu sou o agora, o ontem e o amanhã, e ainda assim, não sou nada além de uma árvore. - Ela respondeu pensativa.
- Isso é loucura, como posso estar falando com uma árvore? - Perguntei abalado.
- Isso não importa. Você sabe que sempre enxergou o mundo de forma diferente. Sempre viu além. Sempre sentiu que havia algo mais. Algo escondido. - Sua voz pausada e calma passava confiança. - É sua chance de descobrir a verdade sobre você e o mundo.
Meu sangue pulsava de excitação, e eu finalmente me sentia compreendido.
- É sério isso? O que preciso fazer?
Um rangido de madeira e o farfalhar de folhas permeou a noite. Ansioso, olhei atentamente para o tronco da árvore e uma abertura negra no local onde haviam os sulcos, na altura do meu braço e no tamanho de um punho, se abriu.
- Você só precisa colocar seu braço aqui e minha vinhas vão fazer a transferência da minha seiva sagrada para seu sangue. - Obedeci a instrução, excitado.
Quando as vinhas rasgaram minha pele e a seiva entrou, tudo o que senti foi dor enquanto minha visão ficou completamente esverdeada.
- Finalmente! - A voz de alívio da árvore era sinistra.
Todos os meus membros estavam rígidos. Restara apenas o silêncio. Quando percebi o que ocorrera, fui tomado por um aflição inquietante. A transferência dera certo - como fui tolo! Ali, preso ao tronco da majestosa árvore e sozinho, no ápice de minha loucura, decidi contar as estrelas desesperado para acreditar que era um engano ou um sonho.
- Estou sob um céu desconhecido. - Não importava quantas vezes eu refizesse a contagem, aquelas não eram as estrelas que eu conhecia.
Baixei os olhos para as águas em torno da árvore e percebi que as estrelas ali não eram as mesmas do céu. Aquelas eu reconhecia.
Meu celular jazia no chão, aceso.
Meus galhos balançavam ao vento.
Olhei para cima e comecei a contar os astros. Quando havia percebido, já desabara completamente em lágrimas.
Afinal, eu só podia esperar. Temendo que não fosse tarde demais. Eu finalmente fugira da realidade.
Esta história foi publicada originalmente em português (BR) em dezembro de 2016 no WattPad.
Em um concurso (Copa dos Contos), ela ficou em 9º lugar entre 120 contos. O tema:
"Fui sugado para o Wattpad. E agora?"